Guterres: “A vida e o futuro de milhões de pessoas estão em risco”
Mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres, para a sessão de abertura do Segmento de Atividades Operacionais para o Desenvolvimento do ECOSOC.
Excelências, senhoras e senhores,
Obrigado por participarem deste fórum tão importante em um ano igualmente importante.
Estamos celebrando os 80 anos das Nações Unidas.
Mas esse marco vem acompanhado de uma realidade dura e inegável, que ressoa em cada página do relatório que apresento hoje.
Faltando menos de cinco anos para o prazo de 2030, enfrentamos nada menos que uma emergência de desenvolvimento.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão perigosamente fora do rumo.
E alguns dos avanços arduamente conquistados nos últimos anos estão sendo revertidos.

O progresso tem sido lento demais na luta contra a pobreza, a fome, a desigualdade, a crise climática, a deterioração das infraestruturas e os sistemas de educação, saúde e proteção social com poucos recursos.
Não podemos esquecer que uma emergência de desenvolvimento é, na essência, uma emergência humana.
A vida e o futuro de milhões de pessoas estão em risco.
Essa emergência de desenvolvimento também é uma emergência de financiamento.
Os recursos estão diminuindo em todas as frentes — e isso já vem acontecendo há algum tempo.
Por exemplo, como detalhado no meu relatório, as contribuições financeiras totais para o sistema de desenvolvimento da ONU caíram US$ 9 bilhões — ou 16% — em 2023 em comparação com o ano anterior.
Já podemos imaginar o valor de 2024, levando em conta as decisões recentes.
Nossa organização tem sido cada vez mais solicitada a fazer mais com menos — uma tendência que deve continuar no futuro próximo.
Neste ano, os doadores estão retirando seus compromissos de ajuda em uma velocidade e escala históricas.
Mas o relatório que discutimos hoje também traz uma mensagem importante de esperança.
Esperança nos avanços que conseguimos juntos para reformar e reposicionar o sistema de desenvolvimento da ONU, tornando-o mais eficiente e eficaz.
Esperança na iniciativa ONU80 para ampliar essas reformas e impulsionar ainda mais as mudanças necessárias em todo o sistema, rumo a uma organização mais impactante, coesa e eficiente.
Esperança em seu contínuo apoio e engajamento com nossos(as) Coordenadores(as) Residentes e Equipes de País.
E esperança no potencial do Pacto para o Futuro para acelerar o progresso rumo aos ODS — um pacto que obteve consenso na Cúpula do Futuro.
Sejamos claros:
Embora o contexto tenha mudado desde a adoção do Pacto, seus compromissos são mais importantes do que nunca.
Isso inclui seus chamados ousados à ação em todos os elementos necessários para impulsionar o progresso do desenvolvimento sustentável — incluindo financiamento, alívio da dívida e o fortalecimento da arquitetura financeira internacional.
Não podemos permitir que os ventos contrários desviem esses compromissos de seu rumo.
Continuaremos trabalhando de perto com todos os Estados-membros e parceiros para manter nossa agenda no caminho certo, aprofundar a transformação em curso, e fazer isso no contexto da iniciativa ONU80, que impulsiona o progresso em todo o sistema.
E garantiremos que possamos implementar plenamente — e maximizar os benefícios — de cada mandato da histórica resolução 72/279 da Assembleia Geral, que deu início às reformas do sistema de desenvolvimento da ONU.
Excelências,
Com esse espírito, e guiado pelo relatório que discutimos hoje, gostaria de destacar quatro áreas onde estamos avançando, onde mais progresso é necessário e como os Estados-Membros podem apoiar esse trabalho.
Primeiro — precisamos manter firme nosso compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Este é um ano decisivo para o desenvolvimento.
Mas enfrentamos, em todos os setores, uma crise nos meios de implementação — desde o financiamento até o comércio, governança e capacidade institucional para acelerar o progresso.
A aceleração exige que os Estados-membros mantenham vivos os compromissos ousados assumidos na adoção dos ODS em 2015, bem como no Pacto para o Futuro.
Esses compromissos incluem aliviar o peso da dívida dos países em desenvolvimento, ampliar fontes inovadoras de financiamento e avançar na reforma da arquitetura financeira internacional.
A próxima Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, em Sevilha, será um momento crucial para impulsionar as mudanças necessárias.
A aceleração exige transformações ousadas.
Devemos seguir as vias claras de progresso delineadas no relatório — áreas-chave onde podemos impulsionar todos os ODS, como sistemas alimentares, acesso à energia, conectividade digital e crescimento econômico por meio do comércio.
Agora é a hora de fortalecer a vontade política e a capacidade institucional para apoiar essas mudanças essenciais e gerar progresso.
Segundo — continuaremos ajustando nossas operações às necessidades e prioridades dos países anfitriões.
Sabemos que estamos no caminho certo.
Somente no ano passado, os(as) Coordenadores(as) Residentes apoiaram mais de 160 países.
Nosso trabalho em todo o sistema e com os governos está cada vez mais integrado e coordenado.
- 87% dos governos anfitriões — e 83% dos governos dos países doadores — concordam que as entidades da ONU estão colaborando mais do que antes da reforma.
- E 98% dos governos anfitriões concordam que as atividades da ONU, como definidas nos Marcos de Cooperação, estão alinhadas ou muito alinhadas às prioridades nacionais.
A evidência é clara.
O sistema revitalizado de Coordenação Residente que construímos juntos está se tornando uma plataforma de lançamento para proporcionar impactos mais profundos no desenvolvimento:
- Reunindo parceiros para moldar políticas e soluções de financiamento que acelerem o desenvolvimento...
- Apoiando os países em financiamento, coleta de dados, comércio e crescimento econômico sustentável...
- Buscando constantemente eficiência, inovação, responsabilidade e resultados em nosso trabalho conjunto.
Temos orgulho do nosso trabalho e vamos protegê-lo e ampliá-lo.
Sabemos que podemos fazer melhor. E vamos fazer.
Apesar do amplo apoio, o relatório revela lacunas preocupantes entre as prioridades de nossos Marcos de Cooperação e as ferramentas operacionais, de governança e financeiras para concretizá-los.
Além disso, o Marco de Prestação de Contas da Gestão, criado para garantir maior responsabilidade nas ações coletivas da ONU, ainda não está sendo aplicado de maneira uniforme em todo o sistema.
Nosso novo escritório de avaliação do sistema de desenvolvimento está preparando seu primeiro relatório independente a este órgão neste ano, para continuar promovendo responsabilidade, resultados e alinhamento com as necessidades dos países.
Peço a todos os Estados-Membros que apoiem esse importante trabalho.
Terceiro — financiamento.
Estou profundamente preocupado com a situação financeira do sistema.
As contribuições centrais às agências de desenvolvimento são insuficientes, caindo para 16,5% do total de financiamento — e apenas 12% para algumas agências.
Isso está longe da meta de 30% que os países se comprometeram no Pacto de Financiamento.
Em dezembro, a Assembleia Geral aprovou minha proposta de garantir US$ 53 milhões do orçamento regular para o sistema de Coordenação Residente — um reforço necessário em um momento crítico.
Para ser franco, devo dizer que a proposta era bem maior, mas pelo menos esse compromisso mínimo foi alcançado.
No entanto, esse apoio mínimo é insuficiente para alcançar a máxima ambição de que precisamos.
Nossa capacidade de impulsionar o desenvolvimento e prestar apoio de maneira sustentada está em risco — justamente quando os países mais precisam de nós.
Faremos nossa parte, trabalhando com vocês para preencher as lacunas de financiamento e garantir que os programas conjuntos sejam bem financiados e direcionados aos mais vulneráveis.
Mas agora, mais do que nunca, precisamos de fontes de financiamento flexíveis, sustentáveis, previsíveis e inovadoras.
Insto os Estados-membros a implementar, sem demora, o novo Pacto de Financiamento.
Em um contexto de recursos escassos, o Pacto torna-se ainda mais fundamental — especialmente em sua ênfase em fundos comuns, que permitem uma alocação de recursos mais estratégica, com base nas necessidades reais no terreno.
Quarto — continuaremos promovendo eficiências que maximizem o uso dos recursos de desenvolvimento.
O relatório demonstra que nossas reformas estão gerando resultados — com mais de US$ 592 milhões em eficiências em 2024, muito acima da meta inicial de US$ 310 milhões.
Essas economias foram alcançadas graças a esforços individuais das agências para simplificar serviços e cadeias de suprimentos, além do aumento do uso de serviços compartilhados — incluindo viagens, conferências, funções administrativas e outras eficiências-chave.
Mas podemos — e devemos — fazer mais.
Desde o início do meu mandato, embarcamos em uma agenda ambiciosa de reformas para fortalecer não apenas como trabalhamos e entregamos, mas também como buscamos cada oportunidade possível de economia e eficiência.
A iniciativa ONU80 é uma oportunidade importante para levar esse trabalho adiante:
- Identificando rapidamente eficiências e melhorias na forma como trabalhamos.
- Garantindo que uma parcela maior dos recursos seja destinada a programas de desenvolvimento, e não a custos administrativos.
- Revisando cuidadosamente a implementação de todos os mandatos estabelecidos pelos Estados-membros, que aumentaram significativamente nos últimos anos.
- E por meio de uma revisão estratégica de mudanças estruturais mais profundas e de realinhamento programático no Sistema ONU.
A ONU80 não se trata de responder a cortes globais, mas sim de responder às necessidades globais.
As necessidades das pessoas ao redor do mundo.
A necessidade de apoiá-las da maneira certa, com os programas certos e as configurações adequadas.
E a necessidade de sermos tão eficientes, enxutos e impactantes quanto possível.
Mais uma vez, o apoio de todos os Estados-Membros será essencial para tornarmos nossas operações mais eficazes em termos de custo.
Excelências, senhoras e senhores,
À medida que seguimos nesse caminho de reforma e renovação, devemos manter nosso foco onde ele pertence:
Nas pessoas ao redor do mundo que contam conosco para acertarmos.
O relatório que discutimos hoje não se trata apenas de números.
Trata-se dos serviços e apoios que oferecemos às pessoas e comunidades mais vulneráveis e negligenciadas do planeta.
Trata-se dos contribuintes ao redor do mundo que financiam nosso trabalho essencial.
Trata-se de responder de forma mais eficaz às expectativas dos Estados-membros e de alinhar nossas ações com as prioridades nacionais.
E trata-se da nossa busca constante por eficiência, eficácia e responsabilidade, permanecendo fiéis aos valores que sempre guiaram nossa missão.
Vamos continuar trabalhando como um só, em solidariedade, para construir uma ONU ainda mais forte e eficaz — uma organização pronta para enfrentar os desafios de hoje e de amanhã.
Uma ONU à altura do propósito e pronta para servir.
Contamos com o apoio total dos Estados-Membros à medida que seguimos em frente.
Obrigado.
Discurso de
